Eu Não Sei Falar

13.6.16

a barca navega no mar aberto

Ana, você é uma alma livre e eu queria ser mais como você.
Você é linda e liberta e você vive a vida como uma barca que navega pela imensidão do oceano sem a obrigação de chegar ao porto. Mas você não navega sem rumo, ou sem coordenadas: pelo contrário. O teu remar é sólido e intenso, ele ouve o som do vento e a batida do coração que grita forte "virar a estibordo" e então você agarra o leme com as palmas das mãos e o gira completamente. Sem hesitar. Sem o tremor de quem teme se arrepender da decisão tomada, sem o receio do passo em falso.
Outros marinheiros se jogam ao oceano como se estivessem a navegar por um rio. Eles traçam sobre o mapa a trajetória a ser percorrida e calculam a forma mais eficiente de chegar no próximo porto.

Paradas supérfluas não serão toleradas! Naveguem. naveguem, marujos. Naveguem de porto em porto até ancorarem no destino final. Antes dos 30. Não há tempo a perder, não há recursos para desperdiçar. Ignorem a calvície, ignorem os cabelos brancos e os quilos a mais. Não, não há tempo para conhecer a cidade. Durmam cedo, acordem cedo, comam dentro do navio pois ele já vai partir amanhã cedo antes mesmo de o sol raiar ele deve partir para o próximo marco. Mas capitão, e os corais? Esqueçam os corais! Mas capitão, e o resto do oceano? E todas as outras ilhas? E todas as outras lendas? E as sereias, e as estrelas, e os mares, os mares, capitão?! Esqueçam tudo! Naveguem como se o oceano fosse rio e remem remem, avistem o próximo porto no horizonte e remem antes que os outros barcos aportem.

Mas você não, Ana. Você aprecia as constelações a cada noite escura, as diferentes fases da lua banham os teus cabelos coloridos, e a imensidão do oceano te acompanha. Você não tem vergonha de demorar mais até chegar a um porto, ou de simplesmente seguir pela costa. E se você avista uma ilha que te desperta a curiosidade, você é tomada pela coragem e pela força necessárias para redirecionar as velas e desbravar qualquer, qualquer ilha, qualquer continente.
Mas você também não navega a esmo. Diferentemente do que dizem algumas más línguas, espíritos aprisionados que invejam a tua fluidez, você sabe exatamente onde você quer chegar e cada remada sua é uma reafirmação de que é para lá que você está indo, aqui e agora. Você não abdica do ser em função do devir. E o teu devir é o teu ser, porque você entendeu que o momento presente só existe se em comunhão com o futuro, e que se as estradas foram feitas para viagens e não para destinos, você entendeu que o importante é apreciar o processo, e que o ato de navegar só se torna pleno quando se navega para conhecer o oceano e não para ancorar com sucesso em algum porto. Você entendeu que as paradas no continente acontecem quando e por quanto tempo elas precisam acontecer. Sem pressa. E por isso você conhece todos os corais e todas as canções que os povos entoam no centro dos vilarejos. E por isso você já  sentiu todos os sabores do mundo e já ouviu o choro das crianças que não sabem falar e já beijou a boca das mulheres que usam brincos largos e tocam pífaro.

Ana, me ensina a ser livre como você. Eu estou pronta.
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