16.1.11

Gabriel,


aqui é inverno. Domingo passado acordei tarde e quando olhei pela janela vi o céu ainda cinzento, as ruas cobertas pela geada. … o frio, meu querido, o frio. Lembrei de como você ficava feliz quando junho se aproximava e em seguida lembrei das nossas comemorações do dia 21. E daí olhei de novo pra rua, olhei pro frio e pra toda aquela névoa, olhei ao redor e me dei conta de que você não está por aqui pra mais esse inverno. Queria que estivesse, até porque imagino como você - logo você! - deve estar sofrendo com o calor infernal dessas praias. Quantos graus? 30? 35? Sei que você abomina o verão tanto quanto eu e me sinto mal só de te imaginar parado esperando o ônibus com esse sol a pino lá no céu.

Sei que a carta talvez não seja a melhor maneira de falar isso, e que o tempo e a distância entre nós também não ajude, mas o fato, Gabriel, é que se eu não falar isso agora acho que morro de apreensão. Sinto falta de você. Sinto falta dos teus comentários inteligentes entre um gole e outro quando saíamos para os bares, das piadas e das referências que eu, e somente eu, compreendia. Sinto falta das risadas, dos abraços, daquele teu cheiro insuportável de sabonete de bebê. Sinto falta das nossas tardes assistindo a shows e filmes que só nós gostávamos, sinto falta do teu cachecol e dos blusões cinzas. Sinto falta de ti inteiro. E que falta.

E então, sinto raiva. Raiva de ti por estar tão longe, por me fazer sofrer tanto a tua falta e, principalmente, por não ter deixado portas nem janelas abertas pra mim. Mas maior do que isso, sinto raiva e ódio e raiva de mim mesmo por nunca ter dito nada mais claramente. Eu achava que você já sabia mas fingia não saber, ou que sabia mas não falava nada por não corresponder aos meus sentimentos... eu achava tanta coisa que nem sei mais o que eu achava.

Acontece que lembro dos teus olhos negros e a expressão de incompreensão presente neles quando chegava o inverno e você dizia que queria alguém para te aquecer, para assistir a filmes embaixo das cobertas tomando chocolate quente, alguém pra dançar músicas bregas no final de festas mais bregas ainda, alguém para "abrir todas e cada uma das portas". Alguém que tivesse contigo um romance de músicas e de filmes, alguém pra completar teus trocadilhos. E eu permanecia ali. E esperava o momento certo, o momento em que você iria perceber que esse alguém sempre esteve ali e era eu. Mas você nunca, nunca percebia. Você sempre quis alguém em quem se apoiar, e meus ombros que sempre estiveram a tua disposição, esses ombros você nunca usava. Por quê, Gabriel? Por quê? Orgulho? Medo? Eu era bom para ser amigo mas não o suficiente para ser namorado?

E então você fitava os meus olhos e dizia coisas sobre a vida. Dizia que eu sempre poderia conseguir o que eu quisesse, e que eu realizaria todos os meus sonhos. Me incentivava e dizia que eu deveria ir atrás daquilo que eu sonhava. E o que eu fiz, Gabriel? O que eu fiz? Eu acreditei em você, segui todos teus conselhos e vim parar aqui: do outro lado do mundo, em uma cidade fria e cinzenta, longe, longe demais de ti. Pra quê? Pra acordar tarde em um domingo, olhar pela janela e perceber que nada disso valeu a pena? Que ter estudado durante meses sem dormir direito, que ter abdicado da vida pessoal, que ter aturado pessoas inaturáveis, que tudo isso foi em vão? Perceber que o cinza dessa cidade de romântico nada tem, que a neve perdeu a magia e que o frio é realmente frio? Que pra escapar desse gelo que me cerca eu entro em um café e fico procurando teu rosto entre aqueles ingleses, e que eu nunca encontro? Foi pra isso que você mandou eu realizar os meus sonhos? Pra descobrir que nada, absolutamente nada, nem o passeio naquela roda gigante, que nada disso tem valor algum somente porque você não está do meu lado?

Sabe qual é a minha suspeita? Minha suspeita é que todos esses desejos que eu tanto batalhei para realizar, que esse meu sonho britânico seja mais teu do que meu. Que você seja muito mais eu do que eu mesmo. Entende? Eu sei que sim, afinal de contas você sempre entende, portanto não me faça explicar. E também não me pergunte o que é tudo isso porque eu não sei. Não sei se é amor, se é paixão, se é falta de cachaça... eu não sei. Não precisa nem pensar, e se for pra sentir pena então é melhor que não sinta nada. Apenas larga de mão desse capricho bobo de não querer ser conquistado e vem pra cá de uma vez. Vem pra cá viver esse romance de inverno embaixo do nosso céu de Londres.



Com carinho,

Gui.



Ps: As passagens estão dentro do envelope amarelo. Faça bom uso.



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escrevi ele há dois anos. e re-escrevi hoje. estranho como agora faz muito mais sentido.

Um comentário:

Rodrigo Oliva Peroni disse...

Bah. BAH! Eu me lembro exatamente do dia que tu me apresentou a esse texto, e na hora eu só achei fantástico.

Dizer que chorei relendo é preciso mesmo? Porra, é demais. Merece mais que uma postagem num blog, e tu sabe o que quero dizer com isso. ^^ Tu sempre sabe, não é não??

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