29.3.10

this is hell

há algum tempo lembrei de quando faltava luz. lembrei de mim mesma com sete anos no escuro da sala, olhando pela janela aberta. lá fora, o mundo todo iluminado. ao meu redor, o aconchego da falta de luz e das histórias com príncipes e princesas que me invadiam a mente. lembrei como era bom ficar imersa nas próprias fantasias, completamente desconexa da realidade, mergulhada no próprio vazio de pensamentos. então, lembrei como esse vazio - que eu gostava tanto - foi sendo preenchido aos poucos pela tua presença.
semana passada acabou a luz. de novo. porto alegre é um inferno no verão e a porra do sistema não consegue gerar energia pra todo mundo. como eu dizia, a luz. eu fitava o ventilador imóvel, meu pensamento e meu coração sofrendo tua falta, invejando meu eu de sete anos que não sabia o que era se apaixonar. desejava o sono, na esperança de que ele espantasse tua ausência e a dor que ela me causava. daí, toca o telefone.
por que sempre tem que ser assim? quando as coisas estão bem, quando a vida está voltando a acontecer, quando eu já consigo passar mais de duas horas sem perder meus pensamentos em algum lugar do nosso passado, quando minhas pálpebras estão quase se tocando e me levando pra longe de toda essa merda de saudade... volta. sempre volta.
aí, eu atendo, tentando evitar o sorriso que invade minha boca ao ler teu nome na tela do celular. atendo tentando mentir pra mim mesma que é como qualquer outra ligação, que agora eu não tenho tempo, que meus dias de estudo e de chaplin são cheios de mais pra tua presença ridícula do outro lado da linha. e aí ouço tua voz e me perco em algum lugar entre o carlitos e qualquer outra referência.
você me faz rir, daquele jeito insuportável que ninguém mais consegue; diz que sentiu minha falta, que foi ver alguma comédia romântica e lembrou de mim; eu, aqui, sou toda sorrisos e comentários idiotas, toda pequeninha perto de toda tua cultura e humor; contamos as novidades, falamos de músicas, das conversas passadas; relembramos os filmes que assistimos juntos; eu digo o quanto fiquei feliz com a ligação, digo que, finalmente, estou "exatamente onde eu deveria estar"; agradeço pelas palavras, pelos conselhos, por todos os filmes e livros indicados;
fico pensando em como éramos perfeitos juntos. penso em como eu fui tola e me deixei modelar à tua imagem e semelhança, como se tu fosses um deus e eu tua criatura; olho para minha estante e te encontro ali, sempre presente de alguma forma, entre elizabethtown e cullum. penso que se hoje eu sou quem eu sou e não alguma engenheira ou historiadora é por culpa tua e de toda aquela porcaria que eu via, ouvia e lia para te impressionar. lembro das nossas conversas noite a dentro, do sexo no chuveiro, do frio todo romântico interrompido pelo teu abraço e me pergunto como a situação ficou desse jeito. como eu não pude te esquecer depois de 978 dias de distância.
ouço tua risada do outro lado da linha, aquela risada meio torta, e sinto meu coração ficar apertado. lembro de você dizendo que me amava, que eu era indispensável, sua melhor amiga. "às favas a porra da amizade!"... mas eu sempre calava e sorria.
é quando a conversa se estende pro fim, quando eu olho pela janela e vejo algumas luzes do outro lado da cidade que me lembro daquela certeza absoluta de que nenhum garoto jamais vai chegar aos teus pés. nenhum deles vai ser tão perfeito, nenhum comentário tão engraçado. a certeza de que jamais vou me apaixonar novamente, porque de algum jeito tua ausência é sempre presente e teu jeito é sempre perfeito, e nenhum deles, nenhum, jamais, conseguirá ser melhor que você seria se estivesse do meu lado. eu penso em ir até você. penso em sair numa porto alegre quente e negra, às dez da noite, comprar uma passagem e me enfiar em algum avião até londres agora mesmo.
e então você me fala dos mares, das anas; das garotas ruivas, magras e brancas; me fala da moça que ouve jeff buckley e lê gabriel garcía márquez (olho pra coleção da rowling na minha estante e me sinto ridícula). você me fala que a ama, que ela é perfeita; eu tenho vontade de mandá-los tomar no cú: você, sua mulher ruiva e a porra da música que vocês ouvem antes de dormir. mas, novamente, eu calo e sorrio. digo que você merece toda a felicidade do mundo. você diz que me ama, que eu vou sempre ser sua melhor amiga, que gostaria de ter tido uma irmã como eu. me dá boa noite, me promete uma carta - que eu já sei, não vais escrever, porque te conheço melhor do que imagina - e manda um beijo.
tento, com todas minhas forças, me livrar de todas as promessas de beijos e de letras e me afogar em alguém que não queira minha amizade. como eu tento.
as luzes acendem, o ventilador começa a girar. o celular, agora desligado, é testemunha dessa porra de relação que sempre volta. 

ligo o computador. espero.

Um comentário:

mariana disse...

é sempre assim, até que um dia a dor se dissipa e resta apenas a lembrança daquele sentimento. demora, mas acontece.

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