20.7.15

a menina que era dona do mundo, parte 1

as formigas são os insetos mais numerosos existentes em todo o planeta terra. elas surgiram há mais de cem milhões de anos. desde então, elas conquistaram todos os cantos do planeta (menos as regiões polares, porque lá é muito frio e não tem comida o suficiente). algumas pessoas dizem que se você juntar todas as formigas do mundo e colocar numa balança junto com todos os humanos do mundo, o lado das formigas vai ser mais pesado que o dos humanos. quem vê as formigas de fora às vezes acha que elas são insignificantes e burras, porque elas estão sempre caminhando de um lado pro outro e às vezes elas se perdem e fiquem zanzando e não conseguem encontrar o caminho de volta pra casa. mas na verdade as formigas são muito inteligentes. elas são capazes de construir cidades imensas embaixo da terra, com muitos andares, e sem nenhum engarrafamento. elas também conseguem se comunicar umas com as outras sem precisar falar em voz alta, o que parece telepatia, mas na verdade é porque elas liberam uma substância chamada fe-ro-mô-nios que não é tóxica. é por isso que elas conseguem andar em linha reta e fazer sempre o mesmo caminho e sabem onde fica a comida. além disso, elas também conseguem carregar objetos que pesam até cem vezes mais do que o seu próprio corpo, mesmo de cabeça para baixo. por isso nós seres humanos temos muito que aprender com as formigas e deveríamos prestar mais atenção nelas para nos tornarmos mais inteligentes e encontrar novas maneiras de resolver os nossos problemas.

dos fundos da casa vinha caminhando essa pequena figura. clarice tinha cabelos curtos e um vestido de algodão grande demais, as marcas da terra espalhadas pelo tecido. com muito esforço e cuidado ela carregava, com suas pequeninas mãos, uma cadeira gigante. seus passos eram pesados, porém dotados de uma determinação incomum. os gestos de clarice no manuseio daquele imenso objeto demonstravam, se não um conhecimento profundo a respeito da tarefa executada, ao menos uma relevante experiência no trajeto. como quem chega a uma certa metodologia após horas executando a mesma atividade, a despeito de não dominar os pormenores técnico-científicos por trás de determinado processo. a parte mais complexa do trajeto residia em transpor a cadeira gigante para o outro lado do portão, pois isto implicava elevar o pesado objeto pelo menos uns trinta centímetros acima do nível do chão e, sem perder o equilíbrio, transpor o degrau de entrada e pousar a cadeira no chão novamente, desta vez do lado de fora da casa. mas clarice o fazia com precisão e, sem balbuciar, chegava ao final da sua caminhada. clarice repousou a cadeira ao lado das outras duas, idênticas, completando a barragem que se estendia de uma ponta à outra da calçada, fechando para sempre o caminho dos transeuntes que desejassem cruzar aquele trecho. à esquerda, a muralha dos portões de ferro da sua casa, se estendo infinitamente em direção ao céu, um pouco mais e encostariam as nuvens. à direita, a trincheira de arbustos e flores, seres espinhentos e semi-vivos, um canteiro desconhecido e dominado por ferozes criaturas que ninguém ousaria incomodar. entre estas duas zonas tampões agora se estendia completa a fortaleza de cadeiras, intransponível, alertando aos desavisados que aquele caminho estava temporariamente interrompido e que, portanto, eles deveriam optar por outra rota. clarice contornou as cadeiras e os arbustos pelo meio da rua de paralelepípedos e se colocou do outro lado da fortaleza, de braços cruzados, a guardiã daquele pedaço de terra. 
"bom dia, clarice! brincando de quê hoje?"
a pergunta vinha do alto da rua, entoada pela voz suave de um moça que trazia consigo um carrinho de bebê.
"bom dia, dona rita. eu não estou brincando, este é o meu trabalho." as palavras ecoando de clarice com a mesma determinação dos seus gestos "a senhora vê, eu sou guarda das formigas. e agora é a hora que elas vão buscar comida. então eu tenho que ficar aqui até elas terminarem, para eu ter certeza que ninguém vai pisar nelas". em frente aos pés de clarice marchavam determinadas dezenas de formigas em linha reta, uma organização exemplar, algumas carregando folhas gigantes e outras retornando do seu próprio quartel general em busca de mais mantimentos.
"que trabalho interessante, querida. e você acha que poderia abrir um espaço nessa sua construção para eu e o jonas passarmos?" dona rita apontou para o bebê gorducho dentro do carrinho. clarice considerou a proposta por alguns instantes, fitou o enorme carrinho e o sorriso de dona rita e pensou em todo o estrago que poderia ocorrer caso as rodas daquele veículo imenso esmagassem as obstinadas formigas, desorganizando suas fileiras, causando irreparáveis baixas em suas famílias.
"eu sinto muito, dona rita, mas eu acredito que o melhor seria se você contornasse os arbustos ou seguisse pela outra calçada. é o que eu faço quando preciso entrar em casa."
dona rita sorriu e com um aceno e uma exclamação de boa tarde gentilmente atravessou a rua, contornou os arbustos e seguiu seu caminho lomba abaixo, deixando para trás uma clarice imensuravelmente satisfeita com a sensação do dever cumprido e dezenas de formigas intactas.

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