16.10.14

NÃO TEM NADA DE ERRADO COM O NOSSO INTELECTO

NÃO TEM NADA DE ERRADO COM O NOSSO INTELECTO

FEBRUARY 21, 2014

minha ideia inicial era, essa semana, falar sobre celulite. aquela coisinha que incomoda a maioria das mulheres em algum nível, mas que sempre é legitimada e tem sua existência permitida porque “a gente não precisa se preocupar, homem que é homem não vê celulite”. mas eu não vou falar sobre isso. e nem sobre todas as centenas de coisas erradas nessa afirmação. hoje, eu sinto vontade de falar sobre se achar mais burro do que os outros.

uma colega e amiga e companheira leu os meus pensamentos e sentimentos esses dias dizendo como se sente intelectualmente inferior àqueles que a rodeiam. o tempo todo. moça, eu também me sinto. eu sinto uma constante frustração com o meu trabalho - ou com a minha incapacidade de realizá-lo. eu me sinto mais burra quando eu demoro muito tempo pra ler um texto. eu me sinto mais burra quando expresso uma opinião que é diferente da dos meus colegas de classe na sala de aula porque, afinal de contas, se todos eles concordam sobre determinado aspecto, e eu discordo, logo eu sou diferente e logo eles devem ter compreendido alguma nuance que eu não entendi. eu me sinto ficando pra trás quando vejo o progresso que meus colegas fazem nas suas vidas “profissionais”, no caso quando vejo suas publicações de sucesso, os congressos participados, os contatos estabelecidos. e é aí que isso mais me incomoda. porque eu quero sentir genuína felicidade pelas realizações pessoais dos meus companheiros, que traçam lado a lado comigo essa jornada intelectual, e eu não consigo. não plenamente. não sem lá no fundo me condenar por “estar fazendo tão pouco”. e chega.

o gatilho que trouxe toda essa frustração à tona foi um episódio que aconteceu semana passada, mas que eu só escrevo agora por finalmente ter conseguido digerir ele - um pouquinho. em resumo: entreguei meu primeiro trabalho escrito na nova faculdade e o resultado foi desastroso. segundo o professor “um D, se fosse um dos meus alunos” (aparentemente por ser uma intercambista em uma terra distante os professores podem pegar mais leve na minha avaliação). meu inglês é terrível, é cheio de erros - gramaticais e de sintaxe - e o argumento que eu desenvolvi não é defensável. enfim, coisas não muito gostosas de se ouvir pra alguém que quer trabalhar escrevendo como correspondente internacional. e isso me destruiu completamente.

foi aí que resolvi admitir, em primeiro lugar pra mim mesma, que tem alguma coisa de errado com ficar tão abalada por algo tão, tão comum. luciana, mas, é normal cometer erros. é normal não ser perfeita em tudo. é normal e é bom, porque aí você pode progredir. sim, é normal, mas tem algo de errado aí. tem algo de errado com essa história toda quando uma crítica desenvolvida com respeito a um trabalho acadêmico extrapola e é sentida por mim como uma crítica a toda minha construção enquanto indivíduo. e a sensação que me causa é exatamente a mesma quando eu encaro as celulites no espelho. os rabiscos do professor na folha de papel são o espelho do meu intelecto e o que eu vejo me faz sentir mal. e é isso que eu quero transgredir.

porque não tem nada de errado em não tirar uma nota tão boa quanto a dos nossos colegas. não tem nada de errado em falar na sala de aula ou fazer uma apresentação em público usando uma linguagem que não seja rebuscada e incompreensível. porque não tem nada de errado em não se interessar e, portanto, não saber os detalhes da política externa chinesa (aqui, leitores e leitoras, façam a transferência para suas próprias áreas do conhecimento). não tem nada de errado com o nosso intelecto, e todas as vezes que internamente nos sentimos inseguras com o que sabemos ou questionamos, toda vez que tememos algum dia ser desvendadas - sim, porque eu fico imaginando que um dia vou estar dando aula e todos vão perceber a minha incapacidade pra exercer aquela profissão “mas ela não sabe isso! como é possível que tenha chegado até aqui”? -, toda vez que abraçamos mais responsabilidades do que somos capazes de realizar simplesmente pra acalmar as nossas inseguranças de que “não estamos fazendo o suficiente”, enfim, toda e qualquer vez que nos prejudicamos por acreditar que tem alguma coisa de errado com a nossa capacidade intelectual, toda vez eu vou lembrar disso. eu vou lembrar que a pessoa sentada do meu lado tem os mesmos medos e inseguranças. eu vou lembrar que eles nos ensinam desde cedo que não devemos mostrar nossos medos e inseguranças para não parecermos fracas, porque pessoas fracas, principalmente mulheres, não conquistam cargos de capacidade transformadora no nosso mundo. e eu vou lembrar que ser franca e transparente com o que eu sinto não me faz mais fraca. que ser diferente não me faz mais burra, e que ao invés de ficarmos sentadas cada uma na nossa cadeira supondo como a pessoa do lado é mais bem sucedida e mais auto-confiante e mais inteligente do que, eu vou olhar pra minha colega, pra minha amiga, pra minha companheira e eu vou dizer o que eu sinto, e por meio da nossa habilidade pra compartilhar nós vamos sair as duas mais fortalecidas dessa relação, as duas mais auto-confiantes, as duas mais inteiras e fortes e plenas e vamos trilhas nossas próprias trajetórias pessoas com um passo mais firme. e não tem nada de errado nisso. isso é o certo.

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