25.12.14

a minha coleção de não-saberes

queria ter chegado aos vinte um com uma vasta coleção de saberes. habilidades e agregados de conhecimento acumulados ao longo dos anos que me fariam alguém exemplar, uma pessoa completa, admirável. mas que também me trariam segurança, que me dariam o suporte necessário para que eu pudesse exercer qualquer atividade com orgulho. que me fizessem admirar a mim mesma e, por conseguinte, me livraria de qualquer insegurança e baixa auto-estima que eu pudesse vir a ter.
eu queria ter chegado aos 21 com alguns livros publicados, não muitos, apenas uns dois ou três. sabendo tocar piano e cantar ao mesmo tempo - tocar de ouvido, claro. e compor talvez - por que não? mas principalmente tocar e cantar bem o bastante para me apresentar e fazer parte de uma banda e a coisa toda. claro, eu também teria alguma noção de guitarra e percussão. eu seria uma fusão de rachael yamagata e jamie cullum com o melhor que a brasilidade tem a oferecer. eu também seria uma atleta. hábil para praticar qualquer esporte que me fosse convidado, do futebol de salão à esgrima. eu seria faixa preta em taekwondo e talvez desse aulas em centros de aprendizagem comunitários da grande porto alegre (como parte de um programa de voluntariado, óbvio). por conseguinte eu teria uma conexão muito forte com o meu corpo. ele seria bonito, em forma, saudável, elástico e vigoroso. minhas pernas seriam feitas só de músculos, assim como meus braços. minha barriga seria forte e dura, o abdômen meu centro de energia. tudo no mais harmonioso funcionamento. talvez eu fizesse yoga, como hobby, equilibrando meus chácras e me mantendo ativa. eu teria lido muitos, muitos livros. mas mais do que isso, eu teria compreendido todos eles e saberia as histórias, as personagens e os autores de cor. poderia oferecer indicações para as mais variadas faixas etárias e cobrindo uma gama ampla de assuntos e gêneros. brasileiros e estrangeiros. eu seria fluente em inglês, mas também conseguiria ler em francês e espanhol. e teria lido várias obras nesses idiomas, só os bons livros, claro, como cortázar, borges, camus, llosa, beuvoir, sartre, allende e gabriel garcia marquez. com o cinema, o mesmo.
aos 21 anos eu estaria me formando. de preferência com láureas ou o que quer que a universidade tivesse a oferecer em termos de destaque acadêmico. provavelmente em algum curso legal, que me desse uma perspectiva de vida da qual eu me orgulhasse e ao mesmo tempo conhecimento técnico robusto o bastante para exercer uma função social que eu considerasse útil - e imprescindível de ser realizada por mim. eu seria engenheira ambiental ou algo do tipo, responsável por impulsionar a geração de energia eólica e solar no rio grande do sul. e depois, no mundo.
eu voltaria para casa no início da noite, jazz tocando no rádio, conversas sobre filosofia e um bom copo de vinho. assistir bons filmes e discutir sobre eles. depois escrever noite a dentro, meio sonâmbula, meio insone, cigarro de vez em quando, reconhecida como a clarice lispector do século XXI. aquela pessoa bonita e de cabelos castanhos no sofá. paixão e carinho e respeito em sintonia tão perfeita que soaria como uma composição solo de violoncelo.

mas no lugar disso eu coleciono infinitamente não-saberes, que se empilham como os livros não-lidos na estante. acumulados infinitamente, transbordando nas prateleiras, aos montes, entulhados, um em cima do outro, abarrotados.

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu sei bem como e isso

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