25.12.14

carta para meu eu de onze anos.

Na maior parte dos dias, eu sinto saudade de tudo aquilo que eu podia ter sido. Vivo num eterno e imenso contrafactual. Aquele fim de tarde na cozinha, a xícara de café com leite pela metade e a interminável lista de possibilidades, a inscrição pro vestibular, os nomes daqueles cursos todos soando semelhantes e nenhum real significado embutido em nenhum deles. engenharia ambiental, ciências econômicas, jornalismo, direito, cursos, cursos, cursos. futuros.
Me ausento do presente e entro em pânico ao [não conseguir] vislumbrar o futuro. Revisito o passado a cada três passos. E se.
Coleciono medos, inseguranças e não-saberes. Sinto saudades da menina de onze anos que era a mais inteligente da classe, que lia tudo, que escrevia bem (ou pelo menos acreditava que) e que corria em direção ao futuro de braços abertos. Ela ia ser uma escritora famosa, ou quem sabe uma jornalista? Mas não era tudo a mesma coisa? Seu propósito maior de vida era dar finais felizes para as suas personagens. E isso era simples e suficiente. Mas mais do que isso, era genuíno. A satisfação depois de cada ponto final era imediata e ela transbordava do texto, entre cada palavra, nas vírgulas e nos espaços. Me assombra a imagem dessa menina, de ter que encarar o olhar crítico dela quando encontrasse o meio sorriso e as pupilas vacilantes da sua 21-years-old-self. Como vou explicar praquele serzinho e pros seus infinitos desejos e anseios, como dizer praquela criaturinha que abraçava o mundo e queria carregar ele sobre os ombros que tudo o que eu consegui fazer com ela foi uma tatuagem tosca sobre o ombro esquerdo, um par de coxas grossas demais e uma insatisfação generalizada com os rumos que a vida dela tomou? Sinto saudade e medo dessa menina-mulher de um metro e meio, quando na verdade tudo o que eu mais queria era um abraço dela e um pouco da sua força. Queria que ela me entregasse embrulhada entre aquelas mãozinhas um pouco da certeza lancinante de que tudo vai dar certo - e um sopro de liberdade que me permitisse me soltar das amarras do passado e encarar de frente o escuro incerto do futuro para simplesmente viver o aqui e o agora em sua total e completa plenitude. Queria que ela me dissesse exatamente o que fazer: não o que eu poderia ter feito. Não preciso que ela me explique como meus passos tortos e minhas decisões tomadas no ímpeto da vontade passageira ou na sombra da incapacidade de escolher me trouxeram aqui. Essas especulações eu faço sozinha, todos os dias, sem exceção, desde o momento em que abro os olhos até quando deito a cabeça no travesseiro e caio no sono embalada pelo oceano de lágrimas e soluços. O que eu preciso é daquela menina de onze anos e da sua imensa confiança me dizendo que: 1) tudo vai dar certo e 2) só o que eu preciso fazer daqui pra frente é ________.
Porque eu aceitaria qualquer coisa que ela me dissesse. Se fosse ler todos os livros da minha estante e de todas as outra. Se fosse largar tudo, encarar meus piores medos, fazer letras e virar escritora. Se fosse aprender a plantar legumes e passar o resto da eternidade agachada com as mãos sujas de terra e os pés aos poucos se enraizando. Se ela me dissesse para ser engenheira, diplomata, professora. Filósofa ou economista. Aprender francês ou me mudar pro interior. Ou se ela simplesmente me desse a confiança que me falta para acreditar que já estou no lugar certo e que só preciso fechar os olhos e continuar. A fé cega na certeza da vida. Se ela me dissesse o que e como, eu acolheria de bom grado e juro, juro por tudo que é mais sagrado, não questionaria o porquê. Há muito as razões já não me são necessárias. Meu coração está todo nas tuas mãos e se você me apontar o caminho eu vou percorrê-lo com uma eficiência nunca antes vista. Só preciso que me diga para onde ir e me garanta que vai dar certo. E se assim for, se eu for imbuída desta fé, da interminável crença, eu sigo em frente sem olhar para trás, eu ultrapasso todo e qualquer obstáculo que venha a surgir. Seremos só eu e o horizonte e a liberdade verdadeira, aquela que só se é conquistada quando se sabe que estamos cumprindo aquilo que nos foi designado cumprir. A liberdade de quem vive sem mas. Sem e se. Só vive.




Um comentário:

Anônimo disse...

Às vezes, o pior é a lembrança de amigos queridos que não vemos mais simplesmente porquê.

Licença Creative Commons
This work is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 2.5 Brasil License.