10.10.15

vênus em áries

entramos juntas no apartamento imenso, meu braço direito entrelaçando a cintura dela e ela apoiando o corpo sobre os meus ombros, como duas samambaias que germinaram em vasos diferentes, encontraram-se no meio da caminho e com os galhos e folhas emaranhados decidiram continuar percorrendo juntas a longínqua trajetória em direção ao céu. entramos assim, juntas, no apartamento. o silêncio da escuridão interrompido pelas nossas risadas e pelo nosso andar barulhento, pelo tilintar dos sinos do senhor-dos-ventos. presa à porta, a mandala de vidro - para espantar o mau olhado, disse a tia dela quando entregou o presente. entramos juntas no apartamento e o vitral colorido badalando contra os canudos de alumínio escovado badalando contra a madeira e eu e ela como duas samambaias nos apoiando nas cinturas e nos ombros entramos e a escuridão e o silêncio imaculado abriram espaço para a nossa presença, a porta se lacrando pelas nossas costas em uma batida estrondosa, consequência do nosso descuidado andar displicente. 

assim caminhamos até o sofá, nosso pés rastejando pelas tábuas recém enceradas, nossos sapatos na minha mão esquerda e na dela a garrafa de vinho quase vazia. nosso pés rastejando até encontrar o tapete no meio da sala, denunciando os anos de escravidão e provavelmente a posterior morte de uma ovelha qualquer. ali, no meio da sala, sobre a tábua recém encerada, meus pés rastejando sobre a lã da ovelha morta enquanto o corpo de Virgínia caía sobre o sofá, desvencilhando-se dos meus ombros, da minha cintura, os galhos da samambaia momentaneamente se afastando dos meus ramos enquanto o corpo dela caía pesado sobre o sofá, a densidade macia pressionando as almofadas de algodão, completamente entregue à atuação da gravidade sem oferecer qualquer resistência como quem confia cegamente que estarão ali para apanhá-la caso o sofá e suas almofadas de algodão se esvaeçam no ar durante a queda. as gotículas de vinho escapando pelo gargalo da garrafa, buscando sua liberdade para além do vidro esverdeado e encontrando um lugar mais prazeroso sobre as fazendas de algodão branco das virgens almofadas agora manchadas de um bordô turvo. Virgínia, cuidado, o que sua mãe vai fazer quando vir o sofá todo manchado. e tomei a garrafa das mãos dela pousando-a estável e maciça sobre a mesa de centro. eu preciso sair dessa casa, olha esse tapete. e esfregava as plantas dos pés sobre a lã da ovelha morta. ela não entende nada, ela acha que é imponente ter um cadáver largado sobre o chão da sala, acredita que ela queria trocar esse sofá por um de couro? mas aí eu disse que só por cima do meu cadáver, que se ela quisesse matar uma dúzia de bois para sentar em um trono imponente enquanto o cérebro dela é sugado pela televisão, então que ela primeiro usasse o couro da minha própria pele. fui até a cozinha atrás de alguma coisa para comer, tentando inutilmente recordar quando tinha sido a última vez que algo sólido tocara o meu estômago, o pacote de chocolate à espreita sobre o balcão. 

Virgínia de pé em frente à estante, a gaveta meio aberta, o maço de cigarros meio aberto, um deles pendendo sobre seus lábios meio abertos, a mão esquerda em forma de concha protegendo a chama recém acesa contra o vento frio que insistia em adentrar a sala pelas portas da sacada meio abertas e o isqueiro na mão direita, me estendeu o cigarro com um gesto. não, obrigada. e mostrei o pacote de chocolates com outro gesto. Virgínia não falou nada mas eu sabia que devia estar pensando algo sobre o leite e as vacas e o feminismo, mas como esta era uma noite para celebrar, e nós já havíamos repassado aquela discussão em incontáveis outras ocasiões, optamos pela trégua e resolvemos deixar de lado, só por essa noite, as discordâncias ético-filosóficas, só porque era uma noite de celebrações. no lugar disso, no lugar do comentário áspero me recriminando, Virgínia sorriu e foi a passos firmes até a sacada, seus pés tocando o chão como que buscando conscientemente criarem raízes. primeiro os calcanhares e depois lentamente a planta do pé se desenrolando sobre a tábua de madeira até que finalmente seus dedos encostassem o chão e o calcanhar se levantasse e todo o pé se levantasse, saboreando cada passo, cada toque com o frescor daquela superfície, conduzindo seu corpo até a sacada, a brisa gelada esvoaçando seus cabelos, as duas samambaias pendendo de seus vasos presos à parede de pedra, os ramos e as folhagens se entrelaçando de leve. 

repousei-me na rede, a mão esquerda empurrando o chão para sentir o suave balançar do meu corpo envolto naquele casulo de cordas enquanto nós dois pendíamos a dois palmos do chão e as duas samambaias me fitavam do alto da parede de pedra e eu fitava as costas longilíneas de Virgínia que fitava o céu e as estrelas e tudo o que havia para mais além. hoje vênus está em áries, sabia?. comentou com um leve tom interrogativo, como quem pronuncia as palavras mais para si ou para o universo do que para um alguém específico. não, não sabia, mas não deve ser nada muito importante, a minha vênus é em câncer e não em áries. sentou de frente para mim na rede, engraçado como nossos corpos tinham essa facilidade para ocupar o mesmo lugar no espaço, as pernas dela entrelaçadas nas minhas pernas em um emaranhando infinito de pele e tecidos, a minha mão esquerda embalando nossos dois corpos envoltos naquele casulo de cordas trançadas enquanto nós duas pendíamos a dois palmos do chão sentindo o suave balançar como a maré que sente o suave balançar da gravidade nas noites de lua cheia, o cigarro entre os dedos de sua mão esquerda. você está feliz, Virginia?. estou, eu não aguento mais essa casa, essa cidade, essas pessoas, essa vida, eu precisava recomeçar e barcelona é o lugar perfeito para recomeços, é surrealista e ensolarada e complexa. ela fala como se já tivesse vivido uma vida inteira na cidade do gaudí. quem sabe talvez eu tenha vivido lá em uma outra encarnação e por isso meu espírito queira tão desesperadamente voltar, talvez eu tenha vivido lá uma grande paixão. no que os meus olhos castanhos e os olhos verdes dela se encontraram sobre a rede, nossos pés afagando nossas pernas. em um sobressalto, o corpo de Virgínia se jogou sobre o meu, o frágil equilíbrio dos dois corpos se embalando a dois palmos do chão quase desfeito, e lançou os braços ao meu redor e me apertou forte. eu vou sentir tanto a sua falta. e me abraçou apertado, aquela explosão de emoção inesperada, performática, meio escandalosa. tudo bem, vai dar tudo certo. e retribuí o abraço de leve, tentando trazer um pouco de sobriedade para toda aquela dramatização, o cheiro doce de maracujá maduro dos cabelos dela adentrando novamente a minha alma por tanto tempo inodora. vai dar tudo certo, e você vai conhecer pessoas muito legais e vai viajar um monte e quem sabe vai até se apaixonar por um pintor. Virgínia sorriu e segurou meu rosto entra suas mãos e por um instante pensei ter visto naqueles grandes olhos verdes o reflexo vitroso de uma lágrima, mas deve ter sido só minha imaginação, porque no instante seguinte Virgínia se levantou e, bruscamente, saiu da rede e foi caminhando sala adentro como quem se lembra de ter esquecido o leite no fogão aceso, sem contudo abandonar o movimento ondulado que seu corpo formava ao caminhar, como que dançando ao ritmo de uma valsa contemporânea, enquanto meu corpo ficou ali, largado na rede, envolto em um casulo de cordas trançadas, um corpo só pendendo a um palmo do chão, a samambaia me fitando e eu fitando o teto enquanto meu coração se afogava num oceano de amargura. 

this thing called love just can't handle it this thing called love ain't ready crazy little thing called love a música se espalhando ao redor da sala, tomando o lugar dos átomos de ar que preenchiam o silêncio da escuridão, e Virgínia e eu dançando no meio da sala, nossos pés descalços se esfregando descontraídos sobre as tábuas enceradas, as mãos dadas percorrendo juntas a longínqua trajetória em direção ao céu. em meio a risadas, o pudor esquecido do lado de fora, nossos corpos rodopiando no imenso salão, sem amarras, sem constrangimentos, como quem reconquista a liberdade da infância, reencontrando a criança que não se preocupa com os olhares e o julgamento dos outros. a garrafa de vinho recém-aberta já pela metade se revezando entre as mãos de Virgínia e as minhas, entre os lábios de Virgínia e os meus, quando sou atropelada por um ciúme arrebatador, que se instala no meu corpo, percorrendo minhas veias, pulsando junto com o meu sangue. dentro de mim, em cada canto, em cada pedacinho da minha pele, estacionando no fundo do meu estômago e então subindo pelo meu peito e até a minha garganta na forma de um soco abafado. incontrolável, senti o ciúme do cigarro de Virgínia, o ciúme daquela garrafa de vinho barato, do batom vermelho que ela usava, e da facilidade quase displicente com a qual esses amuletos percorriam os lábios dela cotidianamente enquanto a mim ficavam sempre reservados aqueles dois centímetros de distância cordial, os braços e pernas emaranhados nas redes, nas camas, nos sofás, mas sempre respeitosamente limitados pela fronteira invisível daquela inocente irmandade entre duas samambaias. tive vontade de cravar forte a palma da minha mão direita contra a face de Virgínia, na esperança de alguma reação, qualquer sinal de que havia vida de verdade embaixo daquela máscara de tecidos e cores e canções alegres, um último recurso para que despertasse nela uma reação, o rompimento daqueles dois centímetros, qualquer coisa que provasse que aquela chama também ardia dentro dela e não era meramente uma invenção dos meus devaneios romantizados. tive vontade de cravar forte a palma da minha mão contra a face dela, mas no lugar disso segurei áspera o gargalo daquela garrafa de vinho e virei aquele vinho goela abaixo, me afogando no álcool adstringente, sorvendo todo o líquido que mais parecia um veneno viscoso escorregando pela minha garganta em direção ao meu peito e meu estômago colidindo com o ciúme que vinha subindo na direção contrária agarrado nas paredes das minhas entranhas no exato momento em que a canção silenciava-se e os átomos de silêncio retornavam e tomavam conta da sala. minuciosamente escolhi a próxima trilha sonora daquele espetáculo, por que o que era essa noite se não mais uma cena no espetáculo da vida de Virgínia, blue here is a shell for you blue I love you. e apoiada contra a mesa estática permaneci a fitar Virgínia e sua dança cigana alheia ao ritmo da voz daquela mulher sofrida enquanto o ciúme e o vinho entravam em guerra dentro de mim e eu já não sentia mais o controle sobre meu corpo, minhas pernas tremendo e minhas mãos tremendo e meus lábios tremendo. clarice, você está bem?. parando de dançar ela caminhou na minha direção e, sóbria demais, encarou fundo nos meus olhos castanhos com aqueles olhos verdes, penetrando minha alma e lendo meus pensamentos. e eu queria dizer que não, que eu não estava bem, e que eu não queria que ela fosse, e o que era isso que existia entre a gente, mas as palavras encurraladas na minha garganta, aprisionadas pelo silêncio e pelas lágrimas que se acumularam demais nos meus olhos e agora transbordavam por tudo, escorrendo pelas minhas bochechas, pelo meu queixo, caindo no chão, duas cascatas salgadas incontrolavelmente irrompendo de dentro de mim. como se a vida com Virgínia já não fosse por si só dramática o bastante. clarice, o que aconteceu?. e caminhou mais dois passos na minha direção, envolvendo suas mãos quentes com textura de creme de abacate sobre os meus braços, enquanto eu me encolhia cada vez mais, como um canário aprisionado que não tem para onde fugir e se encolhe em um canto da gaiola, tentando me fundir contra as grandes, tentando desaparecer e ser sugada pelas paredes daquele apartamento tão imenso, e Virgínia me abraçando de leve. eu também vou sentir saudades. e esfreguei as lágrimas com as costas da minha mão esquerda tentando em vão secar aqueles rios lamacentos que insistiam em escorrer pelo meu rosto enquanto Virgínia cuidadosamente limpava minha maquiagem borrada com a manga do seu vestido florido e beijava a minha face direita. 

senti a água fresca lavando aquele amontoado de sentimentos para longe, sugando de dentro de mim a náusea abafada, escoando ralo abaixo todo o insustentável peso daquela noite. engraçado como a água gelada tem esse poder de nos permitir o renascer momentâneo. o espelho frio me encarando, aqueles olhos castanhos me encarando, o livro embrulhado em um papel de presente me encarando. apaguei as luzes e rastejei de volta até a sala de estar para encontrar Virgínia no sofá, as pernas cruzadas para o lado, duas xícaras fumegantes sobre a mesa, o cheiro suave e aconchegante de camomila permeando o ar, afagando meu coração, vai ficar tudo bem, minha menina, embora tu sintas como se fosse, gostar de alguém que não gosta de ti, não é o fim do mundo, senti o chá acalentando meu corpo como um elixir capaz de cicatrizar todas as dores do mundo, estancar o sofrimento e recuperar a vitalidade e o equilíbrio tão facilmente perdidos. apoiei de leve meu corpo sobre o colo de Virgínia ao mesmo tempo em que ela me envolvia com seus braços e fazia cafuné na minha cabeça, e eu desejei com todas as minhas forças que esse momento durasse pra sempre, que a eternidade pausasse nesse exato instante em que só existia nós duas e o aroma de camomila no ar e que vênus estava em áries embora eu não saiba exatamente o que isso signifique. vai ser só por alguns meses, clarice. sussurrou baixinho no meu ouvido com a sua voz de seda, a ponta dos cabelos tocando o meu rosto fazendo um arrepio nascer no fundo do meu útero e se espalhar quente para todo o meu corpo, fazendo eu me levantar um pouco rápido demais e retornar ao lugar que me era destinado naquele sofá de algodão claro cultivando os dois palmos de distância entre a gente. e o leo, como ele está lidando com tudo isso?. o leo ainda não sabe. você não contou pra ele?. eu não contei pra ele. os átomos de silêncio preenchendo aos poucos os dois palmos que separavam nós duas. eu vou contar amanhã, mas eu queria que você soubesse antes, quando o leo souber ele vai fazer um escândalo e vai querer passar cada segundo daqui até agosto grudado em mim, me sufocando. típico dele. é, típico dele, mas de qualquer maneira eu queria que você soubesse antes, pra gente poder celebrar juntas. e sorriu com candura, aquele sorriso de alfazema que ela guarda só para momentos muito pontuais. de qualquer maneira eu vou sentir muito mais a sua falta do que a falta dele, não sei se a gente vai continuar juntos quando eu for pra barcelona, mesmo em um relacionamento aberto, eu não sei, o leo não sabe lidar direito com essas coisas, ele sente muitos ciúmes e, que nem você disse, barcelona é uma cidade cheia de artistas, mas amanhã eu conto pra ele, meus pais chegam de viagem e ele vem almoçar aqui em casa e eu vou contar pra todos eles juntos de uma vez só, pra poupar os escândalos, sabe?. o silêncio a cada segundo mais denso naquele espaço, na sala toda, os olhos de Virgínia fitando a sacada, meus olhos fitando a janela, nossos olhos fitando a rua mas o olhar na verdade voltado para dentro, para o universo e suas constelações e os infinitos caminhos possíveis que se desenhavam dentro de mim. você deveria ficar aqui essa noite e almoçar com a gente amanhã. segurou minha mão com carinho. seria bom te ter por perto quando eu fosse contar pra eles. desvencilhei minha mão daquele toque, a ansiedade aos poucos me consumindo, estendi o livro embrulhado para ela. é só uma lembrança, mas não abre agora, abre só quando eu for embora. o ar denso, a atmosfera densa, aquela noite densa, tudo pesava ao nosso redor e a imensa sala voltava a ser inundada pela escuridão e pelo silêncio. eu tenho que ir indo, daqui a pouco já não tem mais ônibus. Virgínia se aproximou de mim, segurou minha mão, dessa vez com mais firmeza. fica aqui essa noite. me recordando das outras noites, aquelas primeiras noites em que as samambaias tinham recém sido plantadas e os pais dela viajam com mais frequência e o silêncio não era tão denso, mas o olhar e os sorrisos também não eram tão cândidos, e as bebidas eram mais amargas que o vinho, e os dois palmos de distância ainda não tinham sido impostos de modo que aquela fronteira invisível da irmandade inexistia e éramos só nos duas, na rede, no sofá, sobre o tapete da sala, éramos só nós duas e nossos corpos, sem tantos tecidos e sem tantas cores, apenas a minha pele tocando a pele dela, os corpos exaustos largados sobre a cama em meio aos lençóis frescos de algodão e o cheiro de maracujá impregnado nas minhas roupas e ela sussurrando baixinho, Clarice, Clarice, enquanto minhas mãos percorriam a pele macia do corpo de Virgínia, aquela pele que tinha textura de creme de abacate, enquanto eu beijava o bico dos seios dela e descia minha língua pela sua barriga contornado o umbigo minúsculo beijando entre as suas pernas meus dedos percorrendo a vida dentro de Virgínia e ela cravando as unhas nas minhas costas gemendo meu nome em êxtase Clarice Clarice Clarice. fica aqui essa noite. e com a mão esquerda apertou a minha mão direita com mais força, e com a mão direita acariciou a minha perna, fica aqui fica aqui como ficar ali essa noite como ficar ali qualquer outra noite como ficar. é melhor eu ir indo que daqui a pouco passa o último ônibus. então fica aqui só mais um pouco, a gente pode ler alguns poemas do pessoa, que nem a gente costumava fazer, lembra?. se eu lembro, é claro que eu lembro, eu lembro de tudo, Virgínia, lembro de tudo como se estivesse acontecendo agora mesmo, nesse exato instante, e eu acho que eu vou lembrar pra sempre, mesmo que eu quisesse esquecer. uhum, eu lembro, mas hoje não dá, já está tarde e se eu não for agora eu vou perder o ônibus. aí a gente chama um taxi, eu pago. tchau, Virgínia. 

e me rastejei até a porta daquele apartamento imenso, direcionando todas as forças e o pouco de dignidade que ainda me restavam para avançar um pé depois do outro, cada molécula do meu corpo gritando para ficar, implorando pelo corpo de Virgínia, só um pouco, só mais uma vez, só dessa vez, a porta a dois palmos de distância, vamos corpo, nós estamos quase lá, você vai gostar de inspirar o ar puro da rua, só mais um par de passos, quando ela me pegou pela mão e me virou, seus dedos levemente segurando os meus dedos. tchau, Clarice. e aproximou os lábios dos meus lábios, os mesmos lábios tocados pelo batom vermelho, pela garrafa de vinho, pelo cigarro, agora tocando os meus lábios, derrubando toda e qualquer distância que nos separasse, meu coração pulsando em total disritmia, meu corpo inteiro clamando pelo corpo dela, nossas respirações ofegantes, a excitação escorrendo de dentro de mim, encharcando as roupas de algodão, o desejo e toda a sua intensidade subindo em direção ao meu peito e colidindo com o oceano de dor e amargura que ali tinham se instalado, afogando em sofrimento qualquer faísca de felicidade que tentasse se acender dentro de mim, os lábios de virgínia roçaram a minha face, e os meus lábios roçaram na face dela. tchau, vírginia. e a passos pesados e densos, movida tão-somente pelo resquício de auto-controle que eu ainda cultivava, arranquei meus galhos e minhas folhas que insistiam em se entrelaçar nos ramos dela, e saí sozinha daquele apartamento imenso, a mandala de vidro colorida e os sinos de alumínio escovado, que eram pra espantar o mau-olhado, badalando estridentes às minhas costas, deixando para trás uma Virgínia imóvel, pairando no centro do assoalho de madeira encerada, rodeada apenas pela escuridão e pelo silêncio.

Um comentário:

Fernanda disse...

Você sempre consegue traduzir minhas angústias. E eu sempre leio seus textos nos momentos em que eu mais preciso.
Também queria muito pedir para a minha Virgínia ficar, mas não posso. A saída é usar o que me resta de auto-controle pra deixar ela sair da minha vida...
Obrigada por me mostrar que essas angústias não são só minhas.

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