7.11.15

on the day I stopped wanting to be successful and decided to be just happy

Two roads diverged in a yellow wood, 
And sorry I could not travel both 
And be one traveler, long I stood 
And looked down one as far as I could 
To where it bent in the undergrowth; 

Then took the other, as just as fair, 
And having perhaps the better claim, 
Because it was grassy and wanted wear; 
Though as for that the passing there 
Had worn them really about the same, 

 And both that morning equally lay 
In leaves no step had trodden black. 
Oh, I kept the first for another day! 
Yet knowing how way leads on to way, 
I doubted if I should ever come back. 

 I shall be telling this with a sigh 
Somewhere ages and ages hence: 
Two roads diverged in a wood, and I— 
I took the one less traveled by, 
And that has made all the difference.

The Road Not Taken, por Robert Frost

Por muito tempo - pra ser mais precisa, por cinco anos, ou seja, desde a primeira vez que eu li o poema de Frost até o presente momento - eu acreditei que The Road Not Taken constituía uma ode à ousadia e autenticidade na busca por uma carreira. A viajante se depara em algum momento ao longo da sua jornada com duas opções de caminho: um relativamente mais conhecido, seguro, demarcado por já ter sido percorrido inúmeras vezes por inúmeras outras pessoas antes dela; já no outro, na ausência de pessoas pisoteando pra lá e pra cá, a grama crescia verde e as folhas caídas seguiam seu curso natural de decomposição, fundindo-se à terra e virando matéria orgânica. A viajante opta pelo segundo caminho; o caminho menos viajado e, portanto, também mais desafiador, mais surpreendente e - infere-se -, ao final, mais recompensador. Ao escolher este caminho, a viajante anuncia que "sim, foi exatamente isso que fez toda a diferença na minha vida". E à semelhança dela, nos sentimos inspirados para arriscar, para seguir nossas paixões, sermos ousados e corajosos o bastante para enfrentar todos os desafios que surgirem à nossa frente. Seguir o caminho à nossa frente, de acordo com a minha interpretação, significaria abdicar de muitas coisas para ser capaz de focar-se somente no que interessava: o trajeto árduo que se estava percorrendo e o sucesso que me aguardava na linha de chegada.

Esta leitura de The Road Not Taken tem dois problemas. O primeiro, e que sempre me incomodou mas sobre o qual eu nunca havia conseguido refletir de forma construtiva, diz respeito à própria relação que o título do poema guarda com o seu conteúdo. Conquanto as cinco estrofes contem a história da viajante que escolheu seguir a estrada mais árdua (provavelmente uma analogia com a vida de poeta e artista do próprio autor) e descreva este caminho, o título remete a tudo aquilo que o poema deixa de fora - a estrada que a eu-lírica do poema não seguiu e que, portanto, nós leitoras jamais saberemos como é. Claro, podemos imaginar como essa estrada seria - e geralmente imaginamos que ela seria mais entediante e medíocre do que a outra, afinal de contas, Frost era um poeta e as estradas dos poetas são supostamente incríveis, enquanto todas as outras são só entediantes. Dessa maneira, o poema nos lembra que passamos a vida escolhendo entre duas - bem mais do que duas, na verdade - opções de futuro, que ficar parada na encruzilhada não é uma opção, e que não importa tanto assim qual a gente decida seguir, sempre vai ficar aquele gostinho na boca de "mas e se". O contrafactual que me persegue (perseguia?) sempre pairando sobre meu ombro esquerdo dizendo que "a outra estrada, a estrada não escolhida, poderia ser muito mais incrível e muito mais certa". Assim, eu sempre soube que um dos desafios da jornada era parar de ouvir a tal vozinha, abrir mão do caminho contrafactual e me focar em cada passo que eu estava dando pela estrada escolhida, fosse ela a mais ou a menos viajada - porque, no final das contas, o que importava não era exatamente quantos já tinham percorrido aquele caminho antes de mim, mas sim que eu havia escolhido percorrê-lo e portanto, I oughta make the most of it.

O segundo problema é bem mais profundo e eu demorei bem mais pra identificá-lo. Ainda que eu sempre tivesse a sensação de que algo mais me incomodava no poema, até alguns dias atrás eu não tinha conseguido explicar o que, exatamente, me deixava tão desconfortável. Até que - faltando menos de dez dias pra entregar a versão final da minha monografia e não conseguindo me concentrar nem por dez minutos pra escrever qualquer frase - eu me dei conta do que estava errado. A minha interpretação do poema não dá espaço para que uma estrada seja realmente diferente da outra: ambas devem ter como objetivo chegar no mesmo lugar, um lugar de sucesso, de destaque, de diferenciação; e a trajetória para chegar lá é uma inclinada para cima, a estrada não é plana, ela é uma trilha em ascensão até o topo de uma montanha, com diversos marcos (milestones) ao longo do caminho. Caminhar por essa estrada significava algo mais do que simplesmente dar um passo depois do outro; significava mirar a próxima milestone, definir ela como uma meta a ser alcançada o mais rápido possível e acumulando a maior quantidade de prêmios, para então respirar só um pouquinho, só o suficiente pra recuperar o fôlego, e seguir montanha acima até o próximo objetivo. Assim, mesmo sem saber - e sem conseguir imaginar - como seria o fim da estrada no topo da montanha, eu colocava toda minha energia em chegar lá de maneira eficiente, onde eu seria bem sucedida em alguma coisa e isso seria a felicidade.

Por muito tempo eu enxerguei a minha vida como uma carreira. Mesmo sem estar consciente disso - e aqui eu posso culpar o nosso sistema educacional, as escolas, o modo de produção capitalista e mil outras coisas - eu escolhi algumas estradas, eu tentei fugir da mediocridade como se esta fosse a pior característica que alguém poderia ter, tentei me destacar em tudo que eu fizesse - e, por conta disso, deixei de fazer muitas coisas nas quais eu não era boa ou não poderia me destacar, como esportes e música -, e me concentrei nos livros e nos artigos e em ir muito bem na faculdade, em só tirar notas boas para. Para quê mesmo? Para conseguir um bom emprego? Para entrar em um mestrado? Para ser uma pessoa que todos admiram? Notem, aqui, que essa não foi uma decisão tomada a priori de maneira completamente consciente. Eu nunca parei tudo que eu estava fazendo e pensei "pronto agora eu decidi que vou ser uma carreirista e que minha vida será dedicada aos estudos e a ir bem neles. Eu simplesmente fui acumulando pequenas decisões que apontavam nessa direção, incentivada por uma autocrítica interna e por um acúmulo de valores morais que só anos de psicanálise talvez sejam capazes de revelar a origem. Eu fui decidindo ser assim conforme eu ia sendo assim, uma bola de neve - com o perdão dos estrangeirismos climáticos - se acumulando com o passar dos anos e das séries, dos trabalhos e dos artigos, dos prêmios e das menções honrosas, dos convites aceitos para participar de alguns eventos e das inscrições aprovadas para participar de outros eventos, do esforço meticuloso e - quase - perfeccionista no desenvolvimento de cada apresentação, de cada resumo antes da prova.

Acontece que eu paguei um preço que por essa(s) decisão(ões), e ele foi bem alto. Da mesma maneira que quase sem notar eu fui acumulando tarefas "acadêmicas", eu fui também abdicando de fazer aquilo que eu realmente gostava até o ponto de eu já não saber mais realmente do que eu gosto de fazer. Eu não vou falar aqui sobre todas as coisas de errado ao redor do conceito de hobby, eu só vou dizer que houve uma época em que eu sabia como me divertir e eu sentia uma alegria genuína e hoje eu não sei mais. A literatura e o cinema talvez sejam as atividades mais óbvias que foram perdendo espaço na minha vida e que me fizeram falta; a escrita por prazer - e não por obrigação - na primeira pessoa é outra; jardinagem talvez tivesse sido uma, assim como a música, assim como as artes marciais, assim como. 

Vejam bem, o que eu prego aqui não é um retorno ao carpe diem, que eu considero particularmente irresponsável e literalmente caro - to 'only' seize the day é algo que só pode ser feito por pessoas ricas capazes de sustentar suas despesas provavelmente por meio de rendas financeiras. Nada contra quem sente prazer em cotidianos assim (mentira, tenho várias objeções, mas este não é o momento para fazê-las), mas eu sei que me sentiria insatisfeita e consideraria a minha vida um vazio sem propósito se eu substituísse a minha obsessão pelo sucesso por uma obsessão pelo prazer disfarçada de uma vibe debowista. Confesso que cada vez com mais frequência a imagem de eu, detadinha numa rede, um violão tocando ao fundo e alguns livros da Meg Cabot invade a minha mente e deixa um desejo de nostalgia misturado com a verdadeira saudade do "eu gostaria que a minha vida fosse assim daqui pra frente". Talvez você só esteja precisando de férias, é o comentário que eu recebo dos meus parentes. Confesso também que fugir do perímetro urbano em direção à uma ecovila ou algo do tipo sempre me pareceu uma alternativa condizente. A revitalização pós-moderna de alguns valores parnasianos sugere um equilíbrio ecológico e sustentável - inclusive financeiramente - para escapar da estrada de asfalto e bolsas de intercâmbio que em teoria levariam ao sucesso no topo da montanha. Mas ao mesmo tempo me parece também uma solução escapista, difícil de ser implementada e suficientemente egoísta para me fazer ficar com um pé atrás. De modo que eu sempre me pego pensando que se eu fosse uma pessoa que gosta realmente de ficar no meio da natureza com a terra encravada em baixo das minhas unhas, tomando banho frio, fumando maconha e sendo comida por mosquitos, eu o faria com mais frequência. O fato de que deitar na minha cama macia com cheiro de lavanda e tomar banho em um chuveiro que parece uma cachoeira só que com água bem quentinha são dois dos meus prazeres cotidianos favoritos servem de alerta constante que o ideal Thoreauniano de se embrenhar no meio da selva para reencontrar o que há de natural em mim é, actually, selvagem (e hippie) demais para uma garota de óculos e de apartamento que não gosta de fumar maconha e que preza por suas cutículas limpas e hidratadas. O que me deixa somente com uma solução.

Nesse ponto, a viajante míope se depara novamente com uma encruzilhada. Ela se vê diante de duas estradas. A diferença agora é que ela consegue não só ver como é o chão de cada uma - com mais ou menos grama, mais ou menos pisoteado; ela consegue também supor como que as pessoas que percorreram aqueles caminhos antes dela de fato se comportaram. E o que ela enxerga é surpreendente. Ela percebe que por uma das estradas as pessoas andaram focadas em seus objetivos, marcharam a passos ligeiros e ritmados, seguiram non-stop e sem contemplar o redor até o final do caminho, até o topo, até não aguentarem mais. Pela outra estrada, as pessoas caminharam devagar, elas foram e voltaram, elas tocaram as árvores e sentiram o cheiro das flores, talvez elas tenham plantado algumas sementes ou só ficado encostadas em um dos troncos por horas lendo um bom livro. Por causa dessa diferença de ritmo e de direção do trajeto das viajantes, a primeira estrada aparentava ser menos percorrida, mas a bem da verdade é que milhares por ali passaram, mas passaram tão rápido que poucos rastros deixaram. Quanto à segunda, não é possível dizer quantas pessoas de fato passaram, porque os trajetos que percorreram não eram lineares, e as marcas nas folhas poderiam ser de uma pessoa única passando pelo mesmo lugar milhares de vezes. Até agora a minha road not taken tinha sido a segunda. Porque zanzar por aí é coisa de gente preguiçosa; é coisa de gente que nunca vai ter sucesso em nada; é coisa de gente medíocre. E o medo de ser só mais alguém alimentado pela mito de que o sucesso é mais digno do que o cotidiano e suas rotinas simplórias me impediu de perceber isso, de perceber - e admitir - que o que realmente importa não é chegar lá; de que roads are for journeys and not destinations. E, sim, eu sei que a lição de moral dessa crônica é senso comum, mas - pensando bem - qual é o problema com o senso comum (partindo do pressuposto que concordamos sobre o comum não ser menos digno do que a excepcionalidade)? 

A solução que proponho é, portanto, essa: valorizemos o cor de rosa. A friend of mine once told me: encontre algo que você gosta de fazer, e faça. A gente vive com a ideia errada de que precisamos constantemente fazer coisas que nos empolgam para além da média cotidiana, que precisamos ser apaixonados pelo nosso trabalho (com uma definição bem Romântica sobre o que é paixão - sim, daquele mesmo Romantismo do Werther e dos suicídios), que precisamos viver on the edge realizando tarefas que nos dêem boosts de adrenalina - até porque passar a vida correndo montanha acima sem adrenalina deve ser bem difícil. Enquanto na verdade deveríamos simplesmente fazer as coisas que gostamos, e investir menos tempo em coisas que não gostamos realmente mas que gostamos do resultado de vê-las prontas. Seria como passar a vida inteira grávida e odiando a gravidez só pra ver o bebê nascido. É como pintar todas as paredes de vermelho e ficar sempre com dor de cabeça e esquecer de admirar o rosa porque ele é claro, calmo e comum.

A encruzilhada que eu cheguei é mais ou menos assim: eu posso continuar colocando toda minha energia em trabalhos e estudos que nunca vão chegar ao fim - quantas pessoas caminham a vida inteira e nunca chegam no topo da montanha prometida? - ou eu posso simplesmente optar por fazer aquelas coisas que me deixam feliz. Sem metas, sem scores, sem o peso da obrigação e a culpa por não "dar o melhor de mim" pressionando a minha lombar. Afinal de contas, o melhor de mim é bom demais para ser desperdiçado subindo uma montanha estúpida. É hora de abraçar o sol e a poesia das estradas da vida. Beijos.

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