17.3.16

O medo de Marília

São em dias como esse, em que acordo com a cabeça latejando e o corpo ardendo em febre, que meus medos sobem vorazes até meu peito. Não é a morte que temo, não. Esta é uma certeza e temer a morte é como desperdiçar o dia no ponto esperando pelo comboio das onze da noite.

Eu tenho medo é da solidão.

É de um dia acordar doente demais e fraca demais para coordenar o preparo do chá de gengibre com limão e ao gritar por ajuda receber como resposta apenas o eco abafado da minha própria voz contra estas tapeçarias empoeiradas.

Morro por dentro só de pensar que talvez eu nunca venha a ter tudo aquilo. O pacote por inteiro. O meio. Porque depois de trinta anos de romances, novelas e sonetos me apercebi que anseio mesmo é pelo meio. Mais do que um início arrebatador ou um final feliz, o que realmente me faz falta é o cotidiano do aconchego entre uma ponta e outra.

Quero te acordar com o café na cama e a flor desenhada no guardanapo; te ajudar a escolher o feijão no sábado de tarde; pegar no sono no embalo da rede numa manhã ensolarada de inverno. Eu quero o cheiro da bergamota no ar e a certeza de que amanhã não vai ser assim tão diferente de hoje, mas que quando a gente chegar do trabalho vai encontrar o sorriso uma da outra esperando no sofá.

E que você vai me olhar fundo nos olhos e indagar: Marília, você está bem? E eu vou responder meio grogue deixando meu corpo desabar nas almofadas: acho que estou ficando doente. E oito minutos depois você vai estar de volta, com a xícara na mão esquerda e o aroma de gengibre e limão fumegando no ar.


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