1.5.16

sobre todo esse vazio

se eu pudesse pedir qualquer coisa com a certeza de que este desejo seria atendido, eu pediria pra me sentir contente com o presente.
não tem nada pelo que eu anseie mais do que em conseguir viver o agora de forma plena, sem me preocupar em transformá-lo para o futuro que chegará. esse próprio anseio já é paradoxal. ansiar pelo presente automaticamente impede que eu o contemple satisfeita.
eu não sei se um dia eu vou conseguir ser diferente.
eu só sei que me enche de frustração e desespero toda vez que eu olho ao redor e percebo que desperdicei horas, dias e meses que não voltarão planejando futuros que nunca vão se concretizar.
eu me sinto perdida, em um oceano infinito de possibilidades gastando todas as minhas energias para colocar o barco no rumo certo e navegar em uma direção precisa, sendo que eu nem sei qual é o destino onde quero chegar para começo de conversa. e no meio do desespero em coordenar o leme, alçar as velas, limpar o convés, acabo esquecendo de aproveitar o ato de navegar em si.
eu queria que todo esse processo fosse mais simples. que os dias chegassem e eu fosse capaz de abraçar cada um deles em toda sua amplitude, de dizer sim e viver com intensidade cada momento, sem deixar minha mente se perder em devaneios de "e se" e "mas quando". eu queria ser capaz de ler os livros, escrever meus contos, fazer meu trabalho, sair com meu amigos, ouvir as músicas que eu gosto, me exercitar e amar, amar, amar cada segundo, cada sorriso, cada pessoa, cada gota de chuva e cada raio de sol. amar cada gole de chá, cada passo sobre a calçada. amar a viagem de ônibus, e a padaria. eu queria amar o aqui e o agora da maneira como ele chegou até mim. e eu queria que isso fosse o suficiente. que o que está ao meu redor também me bastasse e que esse nó na garganta e a sensação de eu sempre quero mais eu sempre deveria estar fazendo eu queria que fosse diferente fossem embora. ou que eu conseguisse vislumbrar uma vida em que me sentiria plenamente feliz e lutar para consegui-la e então que a tranquilidade viesse. mas não importa, a tranquilidade nunca vem. mas os dias vêm e vão e vêm de novo e passam e não voltam mais e só o que resta são rastros nebulosos, de tracejados fracos quase apagados desse acúmulo de dias dos quais não guardo lembrança alguma e que formam a minha vida. uma vida sem significado, uma vida sem conquistas, com muitas aspirações e pouca concretude, uma vida de buscas e sem encontros, uma vida muito mais virtual do que real. e eu não sei mais o que fazer. porque eu seguro o choro durante o dia e durante a noite pra não deixar que o vazio no qual eu vivo, o vazio que se instalou dentro do meu corpo e me impede de sentir qualquer coisa acabe se inundando de dor, porque eu sei que quando a dor vier eu vou sucumbir, porque sentir dor é melhor do que não sentir nada.
eu não quero mais ser um parasita desse mundo. um inseto que só sabe sugar, sugar e sugar tudo que lhe é dado e que não é capaz de tomar um rumo e evoluir da sua condição de invertebrado rastejante para se tornar pássaro, que voa alto e contempla o mundo a cada alçar.
às vezes eu queria que alguém me apontasse o caminho e dissesse: vai, é por aí mesmo, só vai. e que me desse a certeza cega pra eu encontrar a força que eu preciso pra seguir em frente e remar, remar, remar até chegar às areais que me foram destinadas.
preciso de um plano de ação. listar todas as coisas boas que fazem parte do meu dia a dia e me doutrinar para que quando aquela vontade de fugir do real vier, pra que eu eu consiga mandá-la embora. pra que cada segundo exista em sua totalidade. pra que eu só exista e pronto. sem mas.

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